Exhibition, 2015

FRÁGEIS SENTIDOS #3

Rui Matos / Escultura

PT/

A terceira exposição do ciclo FRÁGEIS SENTIDOS apresenta o trabalho do escultor Rui Matos, com base numa Jarra decorativa pessoalmente escolhida no acervo da galeria Objectismo.

Esta peça em cerâmica de produção industrial, produzida na década 50 pela fábrica Aleluia em Aveiro, partilha uma escultura, pintada, que parece contar uma história. Fechada ou aberta, cheia de pequenas surpresas, a escultura que Rui Matos nos mostra, deixa para nós, espectadores, o prazer da sua leitura.

Nas palavras de Rui Matos “Muita da escultura que conhecemos de diferentes épocas e diferentes culturas valoriza a sequência como meio de contar uma história. Hoje não sinto esse dever, mas o encantamento pela sequência mantem-se em mim”.

 

Heranças  /  Armário- estojo para cerâmica Aleluia.

Assaltam-me várias considerações:

A peça de cerâmica entra na escultura como um moderno sample

Para quem tem conhecimento da cultura visual no ocidente nos anos 50 esta jarra Aleluia leva-nos imediatamente até lá. Todas as épocas têm os seus formalismos. Estes não são apenas forma. São um pensamento visual coletivo de uma época. Uma maneira de ver e dar a ver pelos criadores dessa época. É por isso que reconhecemos uma peça de um determinado período histórico.

Este armário-estojo leva-me até ao louceiro de família numa casa burguesa onde as loiças estavam metodicamente arrumadas no seu interior, mas com uma visibilidade ostensiva, emblemática para o exterior. Leva-me também ao estojo utensilio do seculo XIX; estojo de picnic, estojo de loiças e pratas ou estojo de medicina, em que a um exterior geralmente rude se contrapunha um interior cheio de pequenas surpresas e peças delicadas metodicamente arrumadas.

Esta relação de exterior-interior tornou-se quase sempre presente na minha escultura desde que elegi o ferro como material. A própria peça de cerâmica Aleluia que eu escolhi, tem também essa relação acentuada pela cor.

 Pensando que historicamente a escultura até ao seculo XIX quase sempre foi pintada, retomo com prazer esta atitude, mesmo que saiba que hoje é contra corrente.

A cor, um metier de pintores, aproxima-me do trabalho de alguma pintura contemporânea que eu admiro. Esses pintores têm a possibilidade superiormente livre de construir imagens, enquanto eu como escultor me deparo com inúmeras dificuldades de construir corpos.

Muita da escultura que conhecemos de diferentes épocas e diferentes culturas valoriza a sequência como meio de contar uma história. Hoje não sinto esse dever, mas o encantamento pela sequência mantem-se em mim.

Rui Matos, 2015

 

Rui Matos / CV /  Nasceu em 1959 em Lisboa. Frequentou o Curso de Escultura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa nos anos 80 e foi Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em 1993.

Vive e trabalha em Sintra.

 

JARRA, modelo 735, decoração A, (c. 1955 a 1960)  /  Fábrica Aleluia

A fábrica dos Santos Mártires, no bairro do mesmo nome, em Aveiro, foi fundada, em 1905, por cinco ex-trabalhadores da fábrica da Fonte Nova, entre os quais João Aleluia (1876-1935), seu posterior administrador. Instalada num pequeno armazém, irá inicialmente dedicar-se à produção em reduzida escala de loiça doméstica e azulejos. Em 1917, João Aleluia transfere a unidade fabril para o Cais da Fonte Nova, apostando na modernização do equipamento de modo a aumentar a quantidade e a qualidade da produção.

Em 1922, a empresa realiza a primeira exposição de loiça decorativa, assumindo a denominação definitiva de Aleluia. A década de 20 é marcada pela renovação das tecnologias e materiais, bem como pela abertura a influências exteriores. As peças produzidas nos anos seguintes, segundo o gosto Art Déco, adquirem maior sofisticação técnica e formal. Em 1935, após a morte do fundador, os seus filhos constituem a sociedade Aleluia & Aleluia, dando início ao período em que a fábrica produz maior quantidade de cerâmica decorativa.

As peças produzidas entre 1940 e 1970 oscilam entre a temática folclórica e popular e uma gramática decorativa abstracta seguindo as tendências internacionais. Na década de 50 a Aleluia produz uma quantidade de peças extraordinariamente inventivas do ponto de vista formal, decoradas com padrões geométricos pintados à mão, onde a conjugação da linha com a cor plana, se traduz num evidente apelo gráfico. Desta série faz parte a jarra modelo 735, cuja forma se aproxima dos vasos “fazzoletto”, típicos da produção vidreira italiana da mesma época. Na decoração ‘A’, o interior a negro opaco, contrasta com as cores claras e irisadas do exterior, tendo sido o mesmo modelo produzido com outras combinações cromáticas.

A fábrica Aleluia mantém-se em laboração, tendo extinguido a produção de loiça decorativa no início da década de 70, dedica-se actualmente ao fabrico de revestimentos cerâmicos para construção e à azulejaria artística.

Rita Gomes Ferrão, 15/01/2014

 

Apresentação do ciclo de exposições FRÁGEIS SENTIDOS  

A loja Objectismo tem como compromisso a divulgação e comercialização de cerâmica modernista portuguesa de produção industrial e de autor. As peças que se apresentam na loja foram produzidas entre meados dos anos 40 até final dos anos 70 e testemunham o que de mais inovador e revolucionário se produziu em cerâmica no Portugal do pós guerra, tanto do ponto de vista técnico como criativo.

Com os olhos postos num passado industrial e estético ainda recente, a Objectismo é também uma galeria que integra e estimula os eventos culturais e criativos do Portugal contemporâneo.

FRÁGEIS SENTIDOS é um ciclo temático de exposições individuais, para o qual serão convidados artistas plásticos, designers, músicos e arquitectos, unidos pela descoberta de estes delicados objectos em cerâmica que proporcionam um rico e abrangente campo de acção para os criadores.

Para a primeira série deste ciclo/ Arte Contemporânea, que se mostra entre 2014 e 2015, foram convidados seis conceituados artistas plásticos que escolheram na Objectismo peças de produção industrial, executadas nas mais importantes fábricas portuguesas como a Fábrica de Louça de Sacavém, a fábrica Secla, nas Caldas da Raínha, a fábrica Aleluia em Aveiro ou a Fábrica Raúl da Bernarda em Alcobaça, assim como algumas peças únicas, realizadas em estúdio próprio ou nas fábricas em que trabalharam os seus autores.

Utilizando a fotografia como memória-tela (#1-Margarida Dias), numa instalação em que revisita emocionais memórias (#2-Ana Pérez-Quiroga), na escultura de uma história (#3 Rui Matos), na performance irónica sobre o uso/função (#4-Miguel Palma), ou simplesmente motivados pela forma, padrão ou cor em complexas aguarelas (#5-Vanessa Chrystie) , estes objectos fundem-se em obras tão frágeis no seu sentido contemporâneo, tal como a matéria cerâmica que as inspira.