Exhibition, 2014
FRÁGEIS SENTIDOS #2
Ana Pérez-Quiroga
PT/
Sezures, dia após dia, 2014
Estas peças aqui apresentadas partem de um convite por parte de Nuno Cardoso, para criar algo de novo a partir de objetos que constituem acervo da galeria Objectismo. Desde que me lembro de mim e que tenho consciência dos objetos que envolvem a minha existência, tenho presente desde sempre umas cerâmicas decorativas, que estão em casa dos meus avós em Sezures. Por isso, a minha escolha recaiu sobre estes dois: uma jarra e um candeeiro em cerâmica da fábrica Raul da Bernarda, década de 50/60, tão semelhantes aos que eu sempre conheci.
Nesta revisitação a um universo pessoal, abordando uma temática doméstica, dos objetos decorativos, procurei criar um sentido que conjuga múltiplos propósitos. Por um lado, à produção em série da cerâmica industrial, pretendi contrapor a criação de uma peça única, artesanal. E à fragilidade da cerâmica quis contrapor a dureza da madeira. Por outro, e muito ao gosto oriental, – onde para peças de porcelana de excecional qualidade, se constroem bases de suporte em madeira talhada – procurei criar uma ponte entre duas culturas – oriente / ocidente. Assim, a minha preocupação foi a da não hierarquização dos objetos, conferindo a cada um o seu lugar individual e a sua não subordinação de um ao outro. Onde pudesse haver espaço para que as diferentes peças remetessem umas para as outras e delas fossem derivadas mas sem contudo perderem a sua autonomia.
A possível fruição das partes teria de ser sempre maior que o todo e o mesmo não se completa num jogo inter-relacional entre duas linguagens plásticas: cerâmica e madeira. A humanização plástica da sua interligação é completada pela existência de uma imagem/objeto da reprodução destas duas peças em Ambrótipo, num processo de Clódio húmido, de prova única.
A minha prática enquanto escultora, possibilitou-me escolher para a criação deste projeto a utilização da talha como um veículo para outras experiências sensoriais: o tato – a partir do trabalho não polido da madeira; e o olfato –com o cheio que dela emana, da cera e da tinta a óleo.
A introdução de cor confinada ao espaço escavado da peça de talha, remete novamente para uma interligação com as peças cerâmicas, como se de um espaço específico se tratasse, relembrando uma hipotética colocação tanto da jarra como do candeeiro.
A escolha de recorrer à produção de uma fotografia que perpetuasse o conjunto formada pela jarra/candeeiro e a talha, prende-se com um duplo movimento: por um lado o engajamento existente entre as tensões mecanicista/manual e por outro a fragilidade da imagem fotográfica que é feita num suporte em vidro, por um processo manual e irrepetível.
Todas estas peças se tornam assim únicas e irrepetíveis, a jarra e o candeeiro pela sua raridade, já poucas peças destas haverá no mercado, as talhas e as fotografias por serem exclusivas.
O que eu gostaria de propor com este projeto era que, dentro da complexidade das nossas vidas contemporâneas, pudéssemos encontrar um momento para nos deleitarmos com outras sensações.
Ana Pérez-Quiroga, 2014
Ana Pérez-Quiroga / CV / Nasceu em 1960, em Coimbra, Portugal. Vive e trabalha entre Lisboa e Xangai. Licenciada em Escultura pela FBAUL, fez o Curso Avançado de Artes Plásticas, do Ar.Co, Mestrado em Artes Visuais Intermédia, na Universidade de Évora e frequenta o Curso de Doutoramento em Artes da Universidade de Coimbra. Bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Expõe regularmente desde 1999, destacando-se as participações institucionais na Culturgest, Lisboa, Portugal – “Disseminações” (2001), Centro de Arte de Salamanca, Espanha – “Comer o no Comer” (2002), Falconer Gallery, Grinnell, Iowa, USA – “Where Are You From?” Contemporary Art from Portugal (2008), MoCA (Museum of Contemporary Art), Shanghai – “Made in Shanghai” (2008) Museu do Chiado/MNAC – “Arte Portuguesa do séc. XX 1960-2010” (2012) e Palácio dos Duques, Guimarães – “Assalto ao Castelo em 3 Atos”.
Das principais exposições individuais destacam-se, no Museu do Chiado/MNAC – “Breviário do Quotidiano #2” (1999), no Museu Nacional de Arte Antiga – “Natureza-morta” (2004), no Museu Nogueira da Silva, Braga – “From:, To:, Via:” (2012) e no Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira – “Obra sem senão” (2012). Está representada nas coleções do Museu do Chiado /MNAC), da Caixa Geral de Depósitos, da Câmara Municipal de Lisboa e do Museu do Neo-Realismo.
* Apresentação do ciclo de exposições FRÁGEIS SENTIDOS
A loja Objectismo tem como compromisso a divulgação e comercialização de cerâmica modernista portuguesa de produção industrial e de autor. As peças que se apresentam na loja foram produzidas entre meados dos anos 40 até final dos anos 70 e testemunham o que de mais inovador e revolucionário se produziu em cerâmica no Portugal do pós guerra, tanto do ponto de vista técnico como criativo.
Com os olhos postos num passado industrial e estético ainda recente, a Objectismo é também uma galeria que integra e estimula os eventos culturais e criativos do Portugal contemporâneo.
FRÁGEIS SENTIDOS é um ciclo temático de exposições individuais, para o qual serão convidados artistas plásticos, designers, músicos e arquitectos, unidos pela descoberta de estes delicados objectos em cerâmica que proporcionam um rico e abrangente campo de acção para os criadores.
Para a primeira série deste ciclo/ Arte Contemporânea, que se mostra entre 2014 e 2015, foram convidados seis conceituados artistas plásticos que escolheram na Objectismo peças de produção industrial, executadas nas mais importantes fábricas portuguesas como a Fábrica de Louça de Sacavém, a fábrica Secla, nas Caldas da Raínha, a fábrica Aleluia em Aveiro ou a Fábrica Raúl da Bernarda em Alcobaça, assim como algumas peças únicas, realizadas em estúdio próprio ou nas fábricas em que trabalharam os seus autores.
Utilizando a fotografia como memória-tela (#1-Margarida Dias), numa instalação em que revisita emocionais memórias (#2-Ana Pérez-Quiroga), na escultura de uma história (#3-Rui Matos), na performance irónica sobre o uso/função (#4-Miguel Palma), ou simplesmente motivados pela forma, padrão ou cor em complexas aguarelas (#5-Vanessa Chrystie) , estes objectos fundem-se em obras tão frágeis no seu sentido contemporâneo, tal como a matéria cerâmica que as inspira.