Exhibition, 2015
FRÁGEIS SENTIDOS #5
Vanessa Chrystie / Desenho
PT/
A quinta e última exposição do ciclo temático FRÁGEIS SENTIDOS apresenta o trabalho da artista Vanessa Chrystie, com base em duas peças de cerâmica pessoalmente escolhidas no acervo da galeria Objectismo.
Uma Jarra produzida no Estúdio Secla, Caldas de Raínha, e uma escultura, Peixe, executada no estúdio da ceramista Maria Antónia Paramos (1922-1976) ambas peças realizadas na década de 50, servem de inspiração a duas obras que artista apresenta em suportes distintos: o papel e a madeira. Vanessa Chrystie continua a demonstrar preocupação na relação entre a Natureza e o homem e, sobretudo, a extraordinária sensibilidade, inata ou desenvolvida, cabe ao observador decidir, para o belo.
O desenho “Decoration” de 2015, continua a demonstrar a preocupação da pintora, Vanessa Chrystie com a relação entre a Natureza e o homem e, sobretudo, a extraordinária sensibilidade, inata ou desenvolvida, cabe ao observador decidir, para o belo.
Vanessa Chrystie procura nas suas criações o sentido do belo. Chrystie faz a sua apropriação do mundo real, recriando-o, em demanda da imanência. Cada quadro revela uma teleologia própria da autora que revela encontros entre mundos, entre culturas. Os pássaros, quais figuras chinesas, são jogos de composição cromática e geométrica, tutelados por uma sombra negra, quase maquiavélica de uma ave pensativa, um pássaro sábio, que marca a sua presença sedutora e vagamente inquietante num ponto fulcral, epicentro visual da obra e guia focal do observador. Folhas estilizadas alertam para o sentido composicional da obra, para a ficção e para o mundo de sonhos que povoa, mais uma vez a obra de Christye.
Vanessa Chrystie não rejeita ad hoc o “neo-post-moderno” mas, pelo contrário, integra-o numa linguagem sincera, própria, que radica numa matriz clássica da arte indelevelmente associada ao belo, uma arte de trabalhos penosos, uma arte pensada até à exaustão, em que a técnica primorosa serve os desígnios do criador e em que nada é deixado ao acaso na tradição, renovada, de velhos mestres.
Sobre madeira de cedro antigo, Vanessa Chrystie pinta “The Pond”, sobre dois mundos, o imaginário e o real, real que por sua vez se desdobra, repetidamente, em dois reais, o objecto concreto, ponto de partida, e o objecto representado, centrado no mundo existente, uma ave central que também é um ser mágico, irreal, mas representado, oniricamente, como se de um pássaro profeta se tratasse. Um pássaro que Schumann faz cantar em teclados irreais.
Um profeta vivendo nos ares, capturou a sua presa, um habitante das águas, um peixe, também ele irreal, insólito na sua condição decorativa, desenraizado da Natureza mas objecto de uma caça própria de uma condição selvagem que não tem. Afinal estes dois seres, que se encontram entre o tempo sagrado de uma tábua de cedro, ancestral, mundo antigo e o mundo de agora, cristalizado numa pintura meticulosa, dir-se-ia aparentemente decorativa se os elementos surreais não causassem a perplexidade e o mistério que nos concitam a uma urgência de pensar e reflectir na própria condição de belo e a refazer leituras secundárias e terciárias. Leitura em que a manifestação do inconsciente se faz sentir apenas através dos sonhos que o observador sonhará muito para além da observação do objecto que representa o objecto, que é, afinal, esta pintura.
Henrique Silveira ( texto não integral )
Vanessa Chrystie / CV / Frequenta o Curso avançado de Artes plásticas do Ar.Co (1994-2000) passando pelos departamentos de pintura, desenho e escultura. Está representada em colecções públicas e particulares em Portugal e Inglaterra, Suiça, Dinamarca, Austrália, França, Espanha, Marrocos e Alemanha. Actualmente vive e trabalha em Viseu, na Quinta do Perdigão, onde garrafas de vinho também servem de suporte de rótulos que os seus quadros dão.
- Escultura Golfinho, c.1965-70
Maria Antónia Paramos (1922-1976)
Faiança policromada e vidrada. / 20 x 17,5 cm
Maria Antónia Paramos Baptista Carvalho, é descendente de Augusto Baptista de Carvalho, fundador da Fábrica de Louça de A.B. Carvalho & C.ª, um dos sucessores de Manuel Cipriano Gomes Mafra (1829-1905), continuador da tradição cerâmica das Caldas da Rainha.
Apesar desta herança e da conclusão do curso da Escola Industrial e Comercial Rafael Bordalo Pinheiro, M. A. Paramos inicia-se tardiamente na cerâmica. Ingressa na SECLA (Sociedade de Exportação e Cerâmica Lda.) em 1954, aí trabalhando cerca de um ano. Aprende os rudimentos da pintura sobre cerâmica com Hansi Staël (1913-1961), artista responsável pela orientação criativa da fábrica e do Estúdio, actividade que aprofundará durante a sua breve estadia. Após a saída da SECLA, a ceramista funda uma oficina em nome próprio, onde se dedicará ao fabrico de peças decorativas e de uso doméstico. Esta produção estabelece valores individuais, marcados pelo uso de cores fortes e contrastantes e pela experimentação na pintura com engobes, absorvendo os conhecimentos adquiridos com Hansi Staël.
Em 1961, realiza uma exposição nos salões do SNI, onde reúne cerca de uma centena de peças. O golfinho aqui apresentado, certamente de datação posterior a esta mostra, é herdeiro de uma linguagem Barroca revisitada nas artes decorativas da década de 60. O modelo tem por base outro semelhante, ao gosto Art Déco francês, produzido pela Fábrica de Sant’Anna, Lisboa, c. 1933-34. Através da simplificação da forma, de modo a abolir detalhes do relevo, a ceramista privilegia o colorido da superfície tão característico da sua linguagem plástica, criando um bom testemunho do diálogo entre referências históricas e afirmação individual.
- Jarra, modelo P.848, c. 1954-57
SECLA Estúdio, Modelo de Hansi Staël, motivo decorativo de Ferreira da Silva.
Faiança policromada e vidrada com desenho esgrafitado / 24 cm
A SECLA (Sociedade de Exportação e Cerâmica Lda.) foi fundada por Joaquim Alberto Pinto Ribeiro (1921-1989) em 1944, nas Caldas da Rainha, sob a designação Fábrica de Cerâmica Mestre Francisco Elias, em homenagem ao importante ceramista local.
O Estúdio SECLA é iniciado em 1950, procurando responder às propostas lançadas pelo I Salão Nacional de Artes Decorativas, organizado pelo SNI, em 1949. A artista húngara Hansi Staël (1913-1961), sediada em Portugal desde 1946, será a grande responsável pelo enunciado de uma nova linguagem formal e decorativa, criando novos modelos e motivos decorativos para produção em série, entre os quais se inclui a jarra modelo P. 848.
Luís Ferreira da Silva (n.1928), chegado à fábrica em 1954, ficará responsável pela secção de pintura até 1957, colaborador directo de Hansi Staël, é criador de vários inovadores motivos decorativos, tal com este motivo vegetalista esgrafitado sobre uma superfície rica em texturas cromáticas.
O Estúdio cessa laboração no início da década de 70, no entanto a SECLA crescerá com sucesso até ao final dos Anos 90, encerrando em 2008.
* Apresentação do ciclo de exposições FRÁGEIS SENTIDOS
A loja Objectismo tem como compromisso a divulgação e comercialização de cerâmica modernista portuguesa de produção industrial e de autor. As peças que se apresentam na loja foram produzidas entre meados dos anos 40 até final dos anos 70 e testemunham o que de mais inovador e revolucionário se produziu em cerâmica no Portugal do pós guerra, tanto do ponto de vista técnico como criativo.
Com os olhos postos num passado industrial e estético ainda recente, a Objectismo é também uma galeria que integra e estimula os eventos culturais e criativos do Portugal contemporâneo.
FRÁGEIS SENTIDOS é um ciclo temático de exposições individuais, para o qual serão convidados artistas plásticos, designers, músicos e arquitectos, unidos pela descoberta de estes delicados objectos em cerâmica que proporcionam um rico e abrangente campo de acção para os criadores.
Para a primeira série deste ciclo/ Arte Contemporânea, que se mostra entre 2014 e 2015, foram convidados seis conceituados artistas plásticos que escolheram na Objectismo peças de produção industrial, executadas nas mais importantes fábricas portuguesas como a Fábrica de Louça de Sacavém, a fábrica Secla, nas Caldas da Raínha, a fábrica Aleluia em Aveiro ou a Fábrica Raúl da Bernarda em Alcobaça, assim como algumas peças únicas, realizadas em estúdio próprio ou nas fábricas em que trabalharam os seus autores.
Utilizando a fotografia como memória-tela (#1-Margarida Dias), numa instalação em que revisita emocionais memórias (#2-Ana Pérez-Quiroga), na escultura de uma história (#3 Rui Matos), na performance irónica sobre o uso/função (#4-Miguel Palma), ou simplesmente motivados pela forma, padrão ou cor em complexas aguarelas (#5-Vanessa Chrystie) , estes objectos fundem-se em obras tão frágeis no seu sentido contemporâneo, tal como a matéria cerâmica que as inspira.