12 October - 16 November, 2024
EDUARDO CONSTANTINO, Pareidolia
Eduardo Constantino (n. 1946, Caldas da Rainha)
Pareidolia
O título desta exposição é Pareidolia, um tema que comecei a trabalhar há cerca de 3 anos. A ideia é sugerir formas familiares que podem ser interpretadas por cada pessoa à sua maneira, de acordo com a sua imaginação. Começo a jogar com a ambivalência logo através da forma da peça: trata-se de um animal, de um planeta ou de um vulcão? A estimulação do imaginário é amplificada pela técnica da parede dupla, que me permite deambular por relevos e abismos. A cor aplica-se depois sobre a peça chacotada. Aos volumes, ela acrescenta contrastes que dão vida à forma. Nas placas de parede, dá profundidade ao desenho, que também se baseia no tema da pareidolia.
Sempre gostei de cores fortes e de jogar com vidrados sobrepostos. Como sou eu que os fabrico, posso variar as texturas ad infinitum e combinar cores mates com brilhantes para dar mais relevo ao conjunto. Aplico os vidrados com pincéis, como um pintor, nas peças que foram previamente cozidas a 1000 graus. As cores só aparecem após a segunda cozedura a 1300°, sobre grés ou porcelana, num forno a gás, em cozedura redutora ou oxidante, o que me obriga a imaginar, durante a fase de decoração, o efeito final. Por vezes completo o aspeto pictórico global com uma aplicação de ouro numa terceira cozedura a 850°/900°.
Eduardo Constantino, 2024
(PT)
Eduardo Constantino Um ceramista sublimador das formas e nas cores fortes
Partilhámos as mesmas carteiras da escola, num curso de comércio, antes de partirmos para novas correrias, procurando os ares da liberdade e fraternidade, iniciando Eduardo um percurso pelas artes da terra e do fogo, para dominar as formas, as cores e a sua simbiose provocada pelas altas temperaturas nos fornos. Vi e partilhei os seus primeiros passos ainda numa modesta oficina do grande rodista Guilherme Barroso (com a experiência da SECLA e alguns dos mais conceituados ceramistas que ali trabalharam), nos confins da cidade das Caldas da Rainha. Antes, no final da década de 60, tinha feito uma tentativa na emigração clandestina para trabalhar no sul de França num restaurante, tendo posteriormente regressado a Portugal. Foi nesse regresso que conheceu e aprendeu com Barroso, para depois do encontro com Nadine, fazerem juntos o regresso a terras da Bretanha, onde inicia um percurso sustentado e progressivamente solidificado, de investigação na arte mais ancestral em que a sua terra de origem se distinguiu nacional e internacionalmente.
Desde muito cedo aprendi a admirá-lo e a valorizar o seu trabalho, tendo no jornal local onde eu colaborava, destacado a sua ousadia e acompanhado os seus êxitos crescentes desde os anos 70. Distante, nas difíceis terras gaulesas, onde a criação cerâmica era vasta e muito exigente, vi-o singrar e destacar-se entre os seus pares, o que não foi e ainda não é coisa fácil.
Anualmente, na sua visita a Portugal, quase sempre realiza exposições com os seus trabalhos mais recentes, sendo mais procurado por colecionadores conhecedores e fiéis e admirado pelos seus conterrâneos.
Numa entrevista que me deu há quase cinco décadas dizia singelamente que os seus projetos para o futuro eram de “fazer boas tijelas”, afirmação que ele próprio viria a desconstruir, pois as suas boas tijelas vieram a transformar-se em obras de arte rigorosas onde ressalta a força da cor e da conjugação dos materiais indiferente ao “acaso do forno”, como dizia em conversa posterior. Interessante que os seus agora conterrâneos das terras bretãs e gaulesas o reconheçam como um verdadeiro alquimista “pintor da terra e do fogo”, que mistura, numa simbiose, os materiais tradicionais e vernáculos com os materiais nobres do ouro, prata ou platina, em que as altas e médias temperaturas se combinam em fórmulas magistrais e de grande fôlego.
Tem hoje a sua obra nas casas de muitos colecionadores particulares e em museus nacionais e internacionais, tais como o FRAC bretão, Museu Bernard Palissy, Museu Grassi de Leipzig, o Museu de Artes Aplicadas de Turim, o Museu Cargaleiro do Seixal, o Museu do Azulejo de Lisboa e o Museu da Cerâmica das Caldas da Rainha.
Na influente revista da cerâmica artística internacional, a francesa “La revue de la céramique et du verre“, no número de janeiro-fevereiro de 2008, Karine Boutin, numa análise intitulada “Eduardo Constantino, a explosão de uma pintura cerâmica”, escrevia sobre ele, como o ceramista “em perpétua renovação”, que na “continuidade das suas investigações, a sua expressão afirma-se com segurança no seu gesto criador”. A “sua busca pela luz é uma constante que não cessa de nos emocionar, e fiel às suas intenções, Eduardo privilegia uma liberdade, essa de criar de acordo com as suas convicções profundas”, e acrescentava: “A cor constitui uma dominante na sua pesquisa. Ele é apaixonado pela invenção de uma paleta de cores e joga com as qualidades das matérias: translúcidez, opacidade, os tons mates e brilhantes, a cristalização… Com efeito, de uma fase de trabalho para outra, as texturas evoluem, os efeitos são diferentes e sempre as cores dos materiais borbulham tornando-se visíveis na superfície, sem prejudicar o olhar.”
Num destaque que lhe foi feito pela mesma Revista da Cerâmica e do Vidro no início deste ano de 2024, organizado numa entrevista de Delphine Frouard, intitulada “Le Peintre aux Émaux” é assim definido: “As cerâmicas de Eduardo Constantino são cor, movimento, liberdade, algo vivo e luminoso. Um impulso criativo que dá fé na beleza do mundo. Mas, aqui, não há lirismo exaltado. Não, se há poesia no ceramista português, transforma-o em contemplações em manhãs tempestuosas.”
Nesta entrevista, fala-se sobre a sua nova fase criativa que apresenta em Portugal: a “pareidolia”. Diz então Eduardo: “Trabalho há dois ou três anos sobre o tema da pareidolia, ou seja, sobre formas que sugerem imagens familiares. A ideia surgiu-me depois de folhear um livro sobre vulcões subaquáticos com o meu neto Adriel. Utilizo a técnica de parede dupla que me permite vaguear sobre as formas que são estimuladas pela imaginação e, no final, gosto de ouvir o que as pessoas veem e imaginam numa história que já não é minha, mas que se torna deles.”
Uma vez mais, na sua visita a Portugal, Eduardo apresenta na Galeria Objectismo a sua “pareidolia” e mostra-nos em cerca de vinte e cinco obras o seu trabalho mais recente. Continua a jogar com as cores fortes e os volumes inesperados, explorando as características inesgotáveis e impressivas dos materiais com que trabalha, fundindo impressões materiais e imateriais, numa síntese que consuma bem a génese do Mundo, numa mistura criativa que representa terra, água, ar e fogo.
Tenho para mim que esta exposição constitui mais um passo no reconhecimento que o país deverá fazer a Eduardo, apesar de ser ainda um expatriado por necessidade no tempo e por afirmação artística hoje.
Provavelmente o óbvio será considerado num tempo futuro, cabendo-nos a obrigação de afirmar agora o seu grande e destacado valor no contexto da criação artística internacional, destacando nele o criador autêntico e genuíno que fez a sua aprendizagem pessoal, com muito trabalho e esforço, num percurso insano pela descoberta concreta e muitas vezes inédita, tendo como mitos iniciais os monstros da cerâmica Bernard Leach e Shoji Hamada.
Por vezes, ser amigo e alguém que o acompanhou, apesar de mais ao longe na sua carreira, pode levar as palavras a serem consideradas menos objetivas e independentes, como de alguma forma parciais, contudo o resultado do seu trabalho à vista dos visitantes, desmentirão esta apreciação.
Cada um testemunhará a força, a garra, o toque, a cor, as “mais que perfeitas imprecisões”, a influência pelos maiores e mais poderosos ceramistas de todo o mundo, a que não faltará a imersão na forte tradição da cerâmica oriental, considerada naquelas bandas como Arte Maior, inversamente do que acontece a ocidente, que ainda não conseguiu voltar a reconhecer a cerâmica como arte original e impregnada nos primeiros tempos da expressão milenar.
Para mim, Cerâmica, qualquer que seja o material em que se expressa, significa Vida, Luz, Transcendência, Felicidade, Afirmação do Ser Humano na sua Quintessência numa osmose perfeita.
Eduardo certamente no meio século desde que iniciaste o teu percurso e que chegaste até aqui, olhando para trás, vês um caminho luminoso onde as tuas obras resplandecem, apesar de algumas agruras que tiveste de atravessar, escolhos necessários para uma afirmação superior, em momento que atinges um patamar surpreendente de Paz e Quietude com que eu me congratulo.
Talvez sintetizes corretamente este pensamento de português expatriado na resposta que dás na revista francesa na primeira edição deste ano à pergunta se continuas profundamente luso:
“Talvez na abertura ao mundo, na curiosidade sobre a cultura dos outros. À maneira dos navegadores, tento ultrapassar cabos, movido tanto pelo sopro poético de autores portugueses como Camões, Pessoa ou Torga, como pelas tempestades bretãs. Explorar para descobrir mundos desconhecidos no oceano cerâmico e sublimá-los.”
José Luiz de Almeida Silva, 2024
Diretor Executivo da Associação Portuguesa de Cidades e Vilas de Cerâmica (Caldas da Rainha – Portugal)
Membro Efetivo da Academia Internacional de Cerâmica (Genève – Suíça)